PORQUE HOJE É SÁBADO...
Artur de Carvalho - Caricatura: Maxx |
ESTÁ TUDO ACABADO ENTRE NÓS
Artur de Carvalho
Foi um choque para a família. O irmão mais novo anunciou oficialmente que pretendia se separar da esposa. Aparentemente, o casamento andava às mil maravilhas. Estavam prosperando, ele como gerente de uma multinacional, ela como professora universitária. Moravam numa bela mansão na qual mantinham um cachorro com pedigree, periquitos, uma chinchila e um filho muito inteligente — isso sem contar dois carros zero na garagem, um deles importado. Parecia o casamento perfeito, porém, de uma hora para outra, a papelada já estava nas mãos dos advogados.
O cunhado e o pai pensaram em intervir, mas foram as mulheres da família que tomaram a iniciativa. A mãe e a irmã marcaram uma reunião com ele, que aparentemente se mantinha irredutível. A razão era simples: não estava mais apaixonado pela mulher.
— Mas ninguém continua apaixonado depois de dez anos de casado, meu filho — dizia a mãe.
— A senhora não ama mais o pai?
— É claro que amo seu pai!
— Então, é o pai que não te ama?
— Pára de falar bobagens!
— Mas foi a senhora mesmo que acabou de dizer que a paixão acaba depois de dez anos. E vocês são casados há mais de quarenta!
— Não fica mudando de assunto! — interveio a irmã.
— Eu não estou mudando de assunto. Estou só falando que, depois de dez anos, as mulheres começam a esquecer umas coisas. De levar um cafezinho na cama de vez em quando, por exemplo.
— Larga de ser machista, oras.
— Não é questão de machismo. No começo de casados, você não levava um cafezinho de manhã na cama pro meu cunhado? Ou preparava um jantarzinho especial? E você nunca falou que ele era machista. Agora, há quanto tempo você não faz nada parecido?
— O meu casamento não está em discussão agora... — a irmã emburrou.
— Quer dizer que você está largando a sua mulher só porque ela não leva café na cama pra você? — a mãe tentou entrar na conversa de novo.
— É. Por essas e por outras. Ela não tira mais cravo das minhas costas também.
— Cravos?
— É, cravos. No começo de casados, eu chegava em casa e me deitava no sofá da sala. E ela vinha se chegando, se chegando, e de repente, sem eu nem perceber como, ela já tinha tirado a minha camisa e começado a espremer uns cravos. A gente passava horas ali, daquele jeito. Agora eu nem me lembro mais da última vez que fiquei sem camisa perto dela.
A irmã e a mãe resolveram desistir. A coisa era mais séria do que elas imaginaram.
Uma semana depois, o pai e o cunhado marcaram uma reunião com ele também. Sentaram no barzinho e pediram três chopps. O primeiro a falar foi o candidato a divorciado.
— E aí, como vão indo as coisas?
— Lá em casa, está saindo tudo às mil maravilhas. Precisa ver só. Na semana passada, sua irmã me levou café da manhã dois dias seguidos na cama. Com frutas e geléias.
— E sua mãe, então? Toda noite agora, ela faz uma comidinha especial. Ontem à noite, até acendeu umas velas nos castiçais! A única coisa esquisita é que não pára de perguntar se eu não quero que ela me tire uns cravos das costas. Você falou alguma coisa além do combinado, não falou?
Texto extraído do livro “Pah!”, Vialettera Editora – São Paulo, 2003, pág. 25.